domingo, novembro 27, 2005

Ontem à tarde no Recife



Poderia ter sido apenas mais uma partida da medíocre segunda divisão do futebol brasileiro.

O resultado do jogo entre Grêmio e Náutico ontem à tarde no Estádio dos Aflitos poderia ter representado tão-somente a definição do campeão brasileiro da Série B em 2005. Título este sem maior significado, sem grande peso para a história de um clube que guarda em sua sala de troféus, dentre outras conquistas, a de campeão mundial.

Poderia, mas não foi.

O que aconteceu ontem à tarde na cidade do Recife coloca o futebol definitivamente como fenômeno associado à metafísica. A vitória do
Grêmio ontem à tarde na cidade do Recife entrou para a história do esporte mais popular do planeta e deverá ser tópico destacado em qualquer livro que pretenda demonstrar o que leva milhões de pessoas em todo o mundo a serem apaixonadas por futebol.

Não foi um simples jogo de futebol. As circunstâncias que o envolveram reservaram-lhe uma conotação de teatro do absurdo, de poema épico. Nunca houve e dificilmente haverá uma partida como aquela.

Num ano em que o futebol nacional teve ares de ópera bufa, assolado por escândalos de corrupção e erros de arbitragem, somente uma conquista do Internacional na Série A, face às circunstâncias envolvidas , poderá igualar, ou ao menos aproximar-se da conquista alcançada pelo Grêmio ontem à tarde.

A vitória do Grêmio ontem à tarde no Estádio dos Aflitos feriu a lógica, afrontou acintosamente a Lei de Murphy e foi capaz de emocionar até o mais fanático colorado.

Que outro esporte seria capaz de reproduzir algo similar ao que o futebol nos proporcionou ontem à tarde? Quem assistiu ao jogo de ontem à tarde, por maior ojeriza que tenha pelo esporte, nunca mais poderá tecer qualquer comentário depreciativo ao maior de todos os esportes.

O Grêmio provou ontem à tarde que o futebol não é apenas um jogo, um esporte sucintamente definido como a disputa entre vinte e dois homens (ou mulheres) cujo objetivo é colocar uma esfera de couro dentro de um retângulo. O Grêmio provou ontem à tarde que o futebol é mais do que um esporte. O Grêmio nos explicou ontem à tarde porque o mais circunspecto, o mais dócil ser humano é capaz de subitamente transbordar em raiva, euforia ou lágrimas em razão de uma partida de futebol.

O futebol não é apenas futebol. O futebol não é apenas um esporte. O futebol não é apenas arte ou competição.

O Grêmio provou ontem à tarde no Recife que o futebol é esporte, é arte, é ciência, é competição. O Grêmio provou ontem à tarde que o futebol é a vida diante do espelho.

Que me perdoem os corintianos, os flamenguistas, os são-paulinos, os palmeirenses mas, que me perdoem, principalmente, os colorados: que outro clube pode propiciar aos amantes do futebol o que nos propiciou o Grêmio ontem à tarde na cidade do Recife? Que outro time seria capaz de sofrer um pênalti a dez minutos do final do jogo, ser reduzido a seis jogadores na linha e um goleiro, não deixar o adversário converter a penalidade e, ainda por cima, marcar um gol e vencer a partida diante de um estádio lotado por milhares de fanáticos e eufóricos torcedores adversários?

O que o Grêmio fez ontem à tarde no Recife não tem como resultado o simples retorno à elite do futebol brasileiro. A conquista do Grêmio ontem à tarde há de ser louvada por todos os amantes do futebol. O Grêmio, o místico imortal tricolor gaúcho provou ontem à tarde no Recife, mais uma vez, que para ele o impossível não existe.

Ontem à tarde no Recife restou provado qual o significado de ser gremista. Que me perdoem os colorados, mais uma vez.