segunda-feira, dezembro 11, 2006

Se fue

Andou bem a presidente Michele Bachelet ao não permitir que o ditador Pinochet recebesse honras de Chefe de Estado, bem como por não decretar luto oficial no país. Se o exército chileno quer velar o sanguinário ditador falecido no dia ontem com honras de milico chefe, isso apenas evidencia o quanto os militares têm dificuldade em refletir a respeito das atrocidades cometidas em ditaduras por ele patrocinadas.

domingo, dezembro 10, 2006

Pra entender como isso tudo começou

Esse título tirei da dedicatória lançada pelo Eduardo Bueno na minha edição de A Coroa, a Cruz e a Espada: Lei, ordem e corrupção no Brasil Colônia, o quarto volume da Coleção Terra Brasilis.

Como nos mostra Peninha, tudo começou há mais ou menos 460 anos, quando o Rei de Portugal, Dom João III, aceitando conselho do vedor da Fazenda Real, D. Antônio de Ataíde – o Conde da Castanheira -, resolve implementar o Primeiro Governo Geral do Brasil.

Quinze anos antes, Portugal, sem interesse de investir em um projeto de ocupação e colonização da terra recém descoberta, optara por transferir à iniciativa privada a responsabilidade de ocupar o imenso território descoberto 30 anos antes.

O imenso território sul-americano fora então dividido em 15 lotes, com largura média de 500 quilômetros cada, perfazendo doze capitanias que se estendiam a partir da costa e, por serem doadas “para todo o sempre”, eram hereditárias. Não era uma doação a título gratuito, muito pelo contrário, pois cada donatário recebeu o encargo de, às suas expensas, ocupar, administrar, explorar e proteger o lote recebido.

À princípio, considerando-se que a Coroa não dispunha de recursos para investir na colonização da vasta possessão ultramarina, o projeto era imune à críticas. Mais ou menos como os baluartes da privataria tucana defendem a privatização das empresas públicas no Brasil de hoje.

No entanto, o sistema das capitanias hereditárias, com exceção da capitania de Pernambuco, redundou em tremendo fracasso.

Menos de uma década após sua instituição, o descaso e a incompetência dos capitães do Brasil, aliados às revoltas indígenas e a cada vez mais intensa investida francesa sobre o território brasileiro, levaram a Corte a trazer a Coroa e a Espada para estas terras.

O grande temor dos portuguesas, além do lógico risco de perder o domínio sobre o Brasil, era o de ver a França construir um entreposto avançado que lhe permitisse controlar a Rota do Cabo (da Boa Esperança), caminho mais curto entre a Europa e as Índias.

Nesse contexto é que se dá a instituição do primeiro Governo Geral do Brasil, que seria exercido pelo militar Tomé de Souza, o qual certa vez disse que “todo homem é fraco e ladrão”.

Junto com o Estado, aportou por estas terras também a Cruz.
A Companhia de Jesus, sob o comando de Dom Manual de Nóbrega, o qual, alguns anos depois, estarrecido com “as coisas feias” que ouviria a respeito dos sacerdotes leigos que aqui estavam – a “escória que lá vem” que, “além de viverem amancebados com as negras da terra...incentivavam a escravização dos índios”, cujo ofício é “mais de demônios do que de clérigos” -, escreveria para o reino solicitando com urgência que para cá fosse mandado um Bispo “para castigar e emendar grandes males”.

Se a ordem e a lei vieram em meio aos clamores de colonos e donatários e ao temerário avanço dos franceses, a eficácia do Governo Geral mostrou-se muito aquém do necessário.
O calor estatal na nuca dos colonos, longe de servir como instrumento de imposição da ordem, serviu apenas como meio de institucionalização da corrupção.

Remonta a esse período a origem de traço peculiar de nossa cultura política, o confundir o público com o privado, ou de contaminar àquele com os vícios deste.

Em que pese a história não apontar nódoa alguma na gestão de Tomé de Souza, os detentores do cargo de provedor-mor da Fazendo do Brasil, Antônio Cardoso de Barros, e o primeiro ouvidor-geral do Brasil, Pero Borges, sofreram inúmeras acusações de corrupção.

O nosso primeiro ministro da Fazenda, “pessoa de confiança do rei” e por tal razão escolhido para estender o “longo braço do fisco” sobre estas terras, teria papel decisivo no esquema de desvio de verbas que se desenvolveria durante a construção de Salvador.

Por outro lado, o primeiro ministro da justiça, “o homem da lei”, já havia sido acusado e condenado por receber indevidamente quantias de dinheiro que lhe eram levadas à casa, provenientes das obras de um aqueduto cuja supervisão lhe fora encarregada quando exercia o cargo de corregedor de justiça em uma cidade do Alentejo. Não seria no Novo Mundo que os vícios de Pero Borges seriam amainados.

Mas não foi somente a Coroa e a Espada que para cá vieram embebidos em corrupção.

O primeiro Bispo do Brasil, o Bispo Sardinha, tem sua biografia marcada pela prática de converter penas eclesiásticas em penas pecuniárias.

Foi assim que tudo começou.

Machuca

Assisti ao filme ontem à noite, com alguns meses de atraso, pois a produção hispano-chilena já está há um bom tempo nas locadoras.

Machuca é o sobrenome do garoto Pedro, morador de uma favela da periferia de Santiago do Chile, às vésperas do golpe militar que colocou Pinochet no poder.

A ditadura chilena foi a mais sangrenta da história da América Latina. O filme mostra os contrastes sociais sob o agonizante governo Allende, evidenciando o papel das classes média e alta na instauração do regime militar.

O pai do amigo rico de Machuca, funcionário da FAO, a certa altura do filme resume o substrato legitimador do golpe militar: “O socialismo é o melhor para o Chile. Mas não é o melhor para nós”.

Allende tentara instaurar um regime socialista no país andino, mas fracassou. A pobreza endêmica esteve longe de ser erradicada, e o apoio soviético veio tarde demais.

O encontro de Machuca e seu amigo (cujo nome esqueci) se dá no Colégio St. Patrick, uma escola de padres, cujo diretor tenta educar os alunos a partir de princípios como a igualdade e a solidariedade, o suficiente para ser tachado de comunista pelos abonados pais da maioria discente. Conflitos entre os garotos pobres e ricos eclodem na escola, enquanto nas ruas fascistas e comunistas digladiam-se em passeatas efervescentes.

É nesse clima que os dois garotos e uma menina que, assim como Machuca, morava na favela, estabelecem um forte laço de amizade – na verdade, um adolescente triângulo amoroso.

Machuca e a menina convivem com as agruras da miséria, enquanto o garoto rico convive com o drama de suportar o adultério da mãe perua, amante de um velho milionário casado.

O filme é triste; escatológico para os pobres e constrangedor para as famílias que legitimaram o regime militar chileno.

Há poucos dias noticiaram que Pinochet estava à beira da morte. Na televisão, assistimos à manifestações de sectários do sanguinário ditador chileno. Não tenho conhecimento da bilheteria obtida pelo filme em solo chileno, mas ele deveria ser exibido à exaustão para os jovens.