domingo, dezembro 10, 2006

Pra entender como isso tudo começou

Esse título tirei da dedicatória lançada pelo Eduardo Bueno na minha edição de A Coroa, a Cruz e a Espada: Lei, ordem e corrupção no Brasil Colônia, o quarto volume da Coleção Terra Brasilis.

Como nos mostra Peninha, tudo começou há mais ou menos 460 anos, quando o Rei de Portugal, Dom João III, aceitando conselho do vedor da Fazenda Real, D. Antônio de Ataíde – o Conde da Castanheira -, resolve implementar o Primeiro Governo Geral do Brasil.

Quinze anos antes, Portugal, sem interesse de investir em um projeto de ocupação e colonização da terra recém descoberta, optara por transferir à iniciativa privada a responsabilidade de ocupar o imenso território descoberto 30 anos antes.

O imenso território sul-americano fora então dividido em 15 lotes, com largura média de 500 quilômetros cada, perfazendo doze capitanias que se estendiam a partir da costa e, por serem doadas “para todo o sempre”, eram hereditárias. Não era uma doação a título gratuito, muito pelo contrário, pois cada donatário recebeu o encargo de, às suas expensas, ocupar, administrar, explorar e proteger o lote recebido.

À princípio, considerando-se que a Coroa não dispunha de recursos para investir na colonização da vasta possessão ultramarina, o projeto era imune à críticas. Mais ou menos como os baluartes da privataria tucana defendem a privatização das empresas públicas no Brasil de hoje.

No entanto, o sistema das capitanias hereditárias, com exceção da capitania de Pernambuco, redundou em tremendo fracasso.

Menos de uma década após sua instituição, o descaso e a incompetência dos capitães do Brasil, aliados às revoltas indígenas e a cada vez mais intensa investida francesa sobre o território brasileiro, levaram a Corte a trazer a Coroa e a Espada para estas terras.

O grande temor dos portuguesas, além do lógico risco de perder o domínio sobre o Brasil, era o de ver a França construir um entreposto avançado que lhe permitisse controlar a Rota do Cabo (da Boa Esperança), caminho mais curto entre a Europa e as Índias.

Nesse contexto é que se dá a instituição do primeiro Governo Geral do Brasil, que seria exercido pelo militar Tomé de Souza, o qual certa vez disse que “todo homem é fraco e ladrão”.

Junto com o Estado, aportou por estas terras também a Cruz.
A Companhia de Jesus, sob o comando de Dom Manual de Nóbrega, o qual, alguns anos depois, estarrecido com “as coisas feias” que ouviria a respeito dos sacerdotes leigos que aqui estavam – a “escória que lá vem” que, “além de viverem amancebados com as negras da terra...incentivavam a escravização dos índios”, cujo ofício é “mais de demônios do que de clérigos” -, escreveria para o reino solicitando com urgência que para cá fosse mandado um Bispo “para castigar e emendar grandes males”.

Se a ordem e a lei vieram em meio aos clamores de colonos e donatários e ao temerário avanço dos franceses, a eficácia do Governo Geral mostrou-se muito aquém do necessário.
O calor estatal na nuca dos colonos, longe de servir como instrumento de imposição da ordem, serviu apenas como meio de institucionalização da corrupção.

Remonta a esse período a origem de traço peculiar de nossa cultura política, o confundir o público com o privado, ou de contaminar àquele com os vícios deste.

Em que pese a história não apontar nódoa alguma na gestão de Tomé de Souza, os detentores do cargo de provedor-mor da Fazendo do Brasil, Antônio Cardoso de Barros, e o primeiro ouvidor-geral do Brasil, Pero Borges, sofreram inúmeras acusações de corrupção.

O nosso primeiro ministro da Fazenda, “pessoa de confiança do rei” e por tal razão escolhido para estender o “longo braço do fisco” sobre estas terras, teria papel decisivo no esquema de desvio de verbas que se desenvolveria durante a construção de Salvador.

Por outro lado, o primeiro ministro da justiça, “o homem da lei”, já havia sido acusado e condenado por receber indevidamente quantias de dinheiro que lhe eram levadas à casa, provenientes das obras de um aqueduto cuja supervisão lhe fora encarregada quando exercia o cargo de corregedor de justiça em uma cidade do Alentejo. Não seria no Novo Mundo que os vícios de Pero Borges seriam amainados.

Mas não foi somente a Coroa e a Espada que para cá vieram embebidos em corrupção.

O primeiro Bispo do Brasil, o Bispo Sardinha, tem sua biografia marcada pela prática de converter penas eclesiásticas em penas pecuniárias.

Foi assim que tudo começou.

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