Uma série de fatores contribuíram para minha paixão pelos livros. A biblioteca iniciada por meu avô paterno a espalhar-se por vários cômodos de minha casa em Jaguarão - e, por força das circunstâncias e das contingências, reduzida drasticamente quando da mudança da família para Pelotas-, sempre teve para mim valor inestimável. Desde tenra idade, mesmo quando ainda não podia mergulhar no mundo da leitura, os livros produziam-me forte encantamento, aguçando-me a curiosidade, cuja saciedade ainda não me era permitida em função do analfabetismo. Quando as letras deixaram de ser para mim um mistério, os mistérios dos livros passaram a ser para mim um deleite. Júlio Verne, Monteiro Lobato, Agatha Christie, Isaac Azimov, Carl Sagan......junto com meu pai, foram eles que me despertaram o amor pelos livros. No entanto, nesse período, tal amor ainda era marcado pela infidelidade e, até, pela promiscuidade. Os livros, nessa época, eram para mim uma paixão, assim como também o eram o futebol, a bicicleta, os filmes de horror, os brinquedos e a televisão. Tive uma “infância normal”, e dentro da normalidade de uma infância de cidade pequena, os livros eram para mim apenas mais um atrativo. Minha memória é péssima, mas creio que tinha uns doze anos de idade quando numa noite fria, preenchida pelo silêncio melancólico das ruas da pequena cidade fronteiriça, enquanto todos em casa já dormiam, abri preguiçosamente um certo livro do qual já ouvira falar - e muito - e me pus despretensiosa e vagarosamente a ler:
“Era uma noite fria de lua cheia. As estrelas cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta e deserta parecia um cemitério abandonado. Era tanto o silêncio e tão leve o ar que se alguém aguçasse o ouvido talvez pudesse até escutar o sereno caindo na solidão”........
“Era uma noite fria de lua cheia. As estrelas cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta e deserta parecia um cemitério abandonado. Era tanto o silêncio e tão leve o ar que se alguém aguçasse o ouvido talvez pudesse até escutar o sereno caindo na solidão”........

O Tempo e o Vento é a obra literária que mais me marcou até hoje. Não quero com isso transparecer a opinião de que se trata do melhor livro, do mais bem escrito, ou do que me causou maior deleite estético. Não é o que quero dizer ao manifestar o que esse livro significou para mim. A importância de O Tempo e o Vento, assim como de Incidente em Antares, Noite, Olhai os Lírios do Campo e O Prisioneiro, é que graças a eles passei a ter na literatura, ao lado da música, a minha principal fonte intelectual de transcendência. Minha história como leitor se resume a fase pré e pós Erico Verissimo. Antes do Erico, os livros eram para mim uma curiosidade; a partir dele, a literatura converteu-se na religião que nunca tive.
Acordei hoje e lembrei-me que ainda não havia escrito nada para homenagear os 100 anos do Erico. Que estas reminiscências sirvam de tributo ao mais importante escritor da vida deste leitor inveterado.