domingo, outubro 01, 2006

Votar

Acabo de exercer o meu direito de voto. Logo após sair da seção eleitoral, em um boteco próximo à minha residência, um cidadão me perguntou se eu já havia cumprido com a minha obrigação eleitoral. Instintivamente, respondi que acabara de cumpri-la. Logo depois, já no dobrar a esquina, percebi o quão instintiva fora a resposta que dera. Mas afinal, o votar é um direito ou uma obrigação? Sejamos mais específicos: quando acordei hoje pela manhã e me preparei para ir votar, estava planejando ir cumprir uma obrigação ou exercer um direito? E você, na mesma situação, vai agir (ou agiu) por obrigação ou motivado pela vontade de exercer o direito de escolher os seus representantes?
Bem, se fizermos uma análise puramente jurídica, é lógico que o votar é uma obrigação, pois deriva de um imperativo legal que determina aos maiores de 18 anos e aos menores de 70 anos a obrigação de apertar as teclas da urna eletrônica. Simplória essa conclusão? Não, de forma alguma. Encarar o voto simplesmente como uma obrigação legal implica em reconhecer nessa conduta a realização de uma simples tarefa mecânica de apertar botõezinhos. Muitos encaram o votar como um suplício, uma tarefa por demais enfadonha, em razão da qual temos de deixar o conforto do nosso lar, em pleno domingo, apenas e tão-somente por que a lei manda. Suplício maior se revela para aqueles que não tiveram tempo ou interesse para escolher os candidatos merecedores do seu voto, ou para aqueles que não encontraram nenhum candidato digno da sua confiança ou ainda para aqueles que simplesmente colocam todos os políticos profissionais no mesmo saco de gatos que infesta as esferas do executivo e do legislativo.
Se você dirigiu-se à seção eleitoral de má-vontade, irritado por ter de sair de casa neste domingo apenas para votar, eu entendo, aceito e repudio a lei que lhe obrigou a tal transtorno.
Se você dirigiu-se à seção eleitoral apenas motivado por coação legal, sem ter certeza de quem são, afinal de contas, as pessoas representadas por esses números difíceis de decorar, eu também lhe dou razão, pois ninguém gosta de fazer algo motivado tão-somente por um imperativo externo, que não influencia de maneira alguma a sua consciência.
E ainda, numa terceira hipótese, se você irritou-se ao sair de casa hoje pela manhã, constrangido e com a firme convicção de que estava sendo obrigado a votar em meia-dúzia de gatunos, entendo que inclusive você tem direito a uma reparação.
Por outro lado, muitas pessoas reconhecem no ato de votar o exercício de um direito. Essas pessoas vêem no ato de votar a tentativa de construir um futuro melhor. Essas pessoas, sem exceção, dirigem-se à seção eleitoral com o mesmo propósito. Os fins são os mesmos: ajudar a eleger determinados representantes. No entanto, as motivações variam de acordo com o tipo de eleitor, e esse tipo é definido de acordo com a resposta dada à seguinte questão: o que significa esse futuro melhor?
A resposta, dependendo do tipo em que se enquadra o eleitor, é a seguinte: a) Voto no fulano por que ele me prometeu um cargo no governo; b) Voto no fulano por que ele prometeu me dar um rancho; c) Voto no fulano porque ele já me deu um rancho; d) Voto no fulano porque ele prometeu.....etc; e) Voto no fulano porque ele demonstra ser capaz de pôr em prática, ou ao menos lutar ferrenhamente para pôr em prática, o programa de governo que anunciou durante a campanha; f) Voto no fulano porque ele é melhorzinho que o beltrano; g) Voto no fulano porque não votarei no sicrano de forma alguma.
Se você se enquadra nos tipos a, b, c e d, preferiria que o voto não fosse um direito, mas sim um privilégio a ser concedido a apenas alguns cidadãos que demonstrassem a capacidade de compreender com exatidão o sentido real da palavra cidadão e da palavra democracia.
Se você se enquadra no tipo e, e tem certeza de que o que diz é efetivamente o que pensa, lhe parabenizo por ser capaz de entender realmente o significado e a importância do voto. Mais, gostaria que o mundo começasse de novo agora e somente a pessoas como você fosse concedido o direito de votar.
Por outro lado, se você se enquadra nos tipos f e g, me solidarizo com a inquietação que se apodera da sua mente no dia de hoje. Mas peço também que você faça o mea culpa, assim como estou fazendo, e reconheça que não somos perfeitos, somos protótipos de cidadãos. Mas não se aflija tanto, não somos apenas agentes de deturpação do sistema, somos vítimas desse sistema, pois, afinal de contas, não somos nós quem decide quem serão os candidatos, mas apenas quem escolhe quais dos candidatos previamente escolhidos ocuparão as esferas do poder. O sistema não é perfeito, nós não somos perfeitos. Um é reflexo do outro. Nós, como vítimas, temos o direito de tentar corrigir essas imperfeições. Temos o direito e a obrigação. Mas, para cumprir com essa obrigação, é necessário que antes reconheçamos que essa só pode ser cumprida se entendermos o voto e o exercício da cidadania como um direito cujo exercício é a única maneira de tornar as coisas, ao menos, um pouco melhores.

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