quarta-feira, setembro 26, 2007

O Incêndio

Jörg Friedrich é um historiador alemão. Como historiador, escreveu um grande livro sobre o episódio mais triste da história não apenas de seu país, mas da humanidade. O Incêndio é uma leitura pesada, dolorosa. A nacionalidade do escritor poderia levantar suspeição sobre o enfoque dado aos fatos, mas ao longo das 535 páginas constatamos que o autor não pretendeu expor com minúcias apenas a dor a que foi submetida a nação alemã durante a segunda guerra mundial, mas revelar até onde o ser humano consegue ir em matéria de crueldade.

O livro não guarda qualquer indício de maniqueísmo. Muito antes pelo contrário, ressalta o quanto, num intervalo de 6 anos, as principais nações do planeta submeteram milhões de civis ao flagelo da guerra das bombas incendiárias. No decorrer da leitura, Friederich nos transporta para as ruas, casas, hospitais, conventos, igrejas, museus, bibliotecas, orfanatos, kellers e bunkers das cidades alemãs duramente bombardeadas na Segunda Grande Guerra. Nos mostra como os aliados, sobretudo os ingleses de Churchil, feridos pelos bombardeios das forças hitleristas, adotaram o extermínio frio e indiscriminado de uma população inteira em prol da rendição do exército nazista.

A lógica do "quem atacou primeiro" serviu de mote para tática de cozinhar milhões de cidadãos alemães, punidos pelo pecado de terem legitimado no poder um dos mais sanguinários Chefes de Estado já produzidos pela espécie humana. O inferno produzido pelas bombas incendiárias não discriminava civis ou militares, alemães ou estrangeiros, adultos, idosos ou crianças, todos eram alvo da força invencível dos bombardeiros aliados. A literatura e o cinema sempre deram maior destaque ao holocausto judeu ou ao sofrimento das vítimas inglesas e francesas. Friedrich subverte a lógica de que a história é contada pelos vencedores. Sem deixar de tocar firme na ferida nazista, o historiador detalha com riqueza o genocídio dos civis alemães, sem medo de se expor a eventuais acusações de parcialidade.

No último capítulo, após descrever o quanto os bens culturais do povo alemão foram devastados na guerra, o autor conclui o livro com o seguinte parágrafo:"A guerra incendiária não se apossou do papel na medida em que se poderia supor em razão da sua natureza altamente inflamável, ainda que o tenha eliminado em quantidades antes nunca vistas. Entretanto o papel irá dela se apossar, pois tem mais fôlego do que o fogo". O Incêndio é leitura obrigatória para quem pretende descobrir que, na guerra, os únicos heróis, e verdadeiros vencedores, são os civis que conseguiram sobreviver à barbárie.

2 comentários:

Unknown disse...

A aceitação e a conseqüente prática do bombardeiro estratégico do alto comando aliado contra a população civil mesmo a partir da fase onde qualquer um sabia que a guerra estava perdida para os alemães contribuiu decisivamente para elevar o limiar aceitável de barbárie a muito além do verificado na Primeira Guerra Mundial.
A lição histórica que ficou da Segunda - e aqui não me refiro apenas à adoção do bombardeio indiscriminado - é a de que se faz guerra contra uma população, pois todo habitante, não importa a faixa etária, é um potencial combatente. Assim, a eliminação total da população inimiga detém-se apenas em considerações políticas circunstanciais.
Lembremos a afirmação de Charles Portal na obra em questão: “É claro que os alvos devem ser as regiões habitadas, e não, por exemplo, estaleiros ou fábricas de aviões.Quanto a isso, não pode haver dúvida...”
É cruel mas é o corolário da nova ética bélica( ou de sua ausência absoluta) instaurada pelas potências em conflito.
Como a História é coisa praticamente restrita à academia e a um punhado de leitores, os fatos logo são esquecidos...Se assim não for, por que então milhões se chocaram com a destruição do World Trade Center?
Convenhamos, o precedente de guerra total já havia sido fixado há muito. Os terroristas muçulmanos – dentro desse paradigma perverso – apenas se valeram das armas ao seu alcance.

Jucemir

Unknown disse...

Vale a pena ler a entrevista com Jörg Friedrich em http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1604,1.shl.