No dia 1º de novembro de 1755, um terrível terremoto, seguido de uma gigantesca tsunami destruiu a cidade de Lisboa, matando de 10 a 15 mil pessoas (Há relatos de que teriam morrido 90 mil). A população da capital portuguesa era estimada em 250 mil pessoas. No dizer do historiador gaúcho Voltaire Schiling, "poucas catástrofes geológicas geraram tantas indagações e lançaram tantas dúvidas no homem moderno".
O escritor, ensaísta e filósofo Voltaire, na sua sátira Cândido ou O Otimismo, descreveu o impacto da catástrofe:
— Metade dos passageiros, enfraquecidos, agoniados com a inconcebível indisposição em que a instabilidade de um navio deixa a todos os nervos e humores do corpo, agitados em sentidos contrários, não tinham nem mesmo forças para inquietar-se com o perigo. A outra metade soltava gritos e rezava; as velas estavam rotas, os mastros quebrados, o navio fendido. Trabalhava quem pudesse, ninguém se entendia, ninguém comandava, o anabatista auxiliava um pouco a manobra; achava-se no convés; um marinheiro furioso bate-lhe rudemente e derruba-o sobre as pranchas, mas, com o golpe que lhe deu, caiu ele próprio para fora do navio, ficando suspenso a um toco de mastro. O bom Jaques corre em seu auxílio, ajuda-o a subir e, com o esforço que faz, é precipitado no mar, sem que o marinheiro fizesse o mínimo gesto para salvá-lo. Cândido aproxima-se, vê o seu benfeitor que reaparece um momento à tona e é tragado para sempre. Quer lançar-se ao mar, mas Pangloss lho impede, provando-lhe que a enseada de Lisboa fora feita expressamente para afogar o anabatista. Enquanto o provava a priori, o navio parte-se ao meio e todos perecem, com exceção de Pangloss, de Cândido e do brutal marinheiro que afogara o virtuoso anabatista; o facínora nadou até a margem, onde Pangloss e Cândido arribaram, agarrados a uma tábua.
Depois que se refizeram um pouco, encaminharam-se para Lisboa; restava-lhes algum dinheiro, com o qual esperavam salvar-se da fome, depois de haverem escapado à tempestade.
Mal entravam na cidade, chorando a morte do benfeitor, quando sentem o solo tremer sob os seus pés; o mar, furioso, galga o porto e despedaça os navios que ali me acham ancorados. Turbilhões de chama e cinza cobrem as ruas e praças públicas; as casas desabam; abatem-se os tetos sobre os alicerces que se abalam; trinta mil habitantes são esmagados sob as ruínas. Assobiando e praguejando, dizia consigo o marinheiro: – Muito há que aproveitar aqui. – Qual poderá ser a razão suficiente deste fenômeno? – indagava Pangloss.
Chegou o último dia do mundo! exclamava Cândido. O marinheiro corre imediatamente para o meio dos destroços, afronta a morte em busca de dinheiro, acha-o, embriaga-se; depois de cozinhar a bebedeira, compra os favores da primeira rapariga de boa vontade que encontra sobre as ruínas das casas e em meio dos mortos e moribundos. Enquanto isto, Pangloss puxava-o pela manga. – Meu amigo – dizia-lhe, – isto não está direito, ofendes a razão universal, empregas muito mal o teu tempo. – Com os diabos! – responde o outro, – sou marinheiro e nasci em Batávia; marchei quatro vezes sobre o crucifixo, em quatro viagens que fiz ao Japão; e ainda me vens com a razão universal!
Alguns estilhaços de pedra haviam ferido Cândido, que se achava estendido no meio da rua e coberto de destroços.
— Ai! – dizia ele a Pangloss, consegue-me um pouco de vinho e de óleo, que estou morrendo.
— Este terremoto não é novidade nenhuma – respondeu Pangloss. – A cidade de Lima experimentou os mesmos tremores de terra no ano passado; iguais causas, iguais efeitos: há com certeza uma corrente subterrânea de enxofre, desde Lima até Lisboa.
— Nada mais provável – respondeu Cândido, – mas, por amor de Deus, arranja-me óleo e vinho.
— Como, provável? – replicou. – Sustento que é a coisa mais demonstrada que existe.
Cândido perdeu os sentidos, e Pangloss trouxe-lhe um pouco de água de uma fonte vizinha.
No dia seguinte, havendo encontrado alguma provisão de boca em meio aos escombros, repararam um pouco as forças. Em seguida puseram-se a trabalhar como os outros para auxiliar os habitantes escapados à morte. Alguns cidadãos por eles socorridos deram-lhes o melhor almoço que poderiam encontrar em tais circunstâncias. Verdade que a refeição era triste; os convivas regavam o pão com lágrimas. Mas Pangloss consolou-os, assegurando-lhes que as coisas não poderiam ser de outra maneira: “Pois tudo isto – dizia ele – é o que há de melhor. Pois, se há um vulcão em Lisboa, não poderia estar noutra parte. Pois é impossível que as coisas não estejam onde estão. Pois tudo está bem”.
Um homenzinho de preto, familiar da Inquisição, que se achava a seu lado, tomou polidamente a palavra e disse:
— Pelo visto, o senhor não crê no pecado original; pois, se tudo está o melhor possível, não houve nem queda, nem castigo.
— Peço humildemente perdão a Vossa Excelência – disse Pangloss ainda mais polidamente, – pois a queda do homem e a maldição entravam necessariamente no melhor dos mundos possíveis.
— O senhor não crê então na liberdade? – perguntou o familiar.
— Vossa Excelência me desculpará – disse Pangloss; – a liberdade pode subsistir com a necessidade absoluta; pois era necessário que fôssemos livres, porque enfim a liberdade determinada...
Pangloss estava no meio da frase, quando o familiar fez um sinal de cabeça para o seu lacaio, que lhe servia vinho do Porto.
Depois que se refizeram um pouco, encaminharam-se para Lisboa; restava-lhes algum dinheiro, com o qual esperavam salvar-se da fome, depois de haverem escapado à tempestade.
Mal entravam na cidade, chorando a morte do benfeitor, quando sentem o solo tremer sob os seus pés; o mar, furioso, galga o porto e despedaça os navios que ali me acham ancorados. Turbilhões de chama e cinza cobrem as ruas e praças públicas; as casas desabam; abatem-se os tetos sobre os alicerces que se abalam; trinta mil habitantes são esmagados sob as ruínas. Assobiando e praguejando, dizia consigo o marinheiro: – Muito há que aproveitar aqui. – Qual poderá ser a razão suficiente deste fenômeno? – indagava Pangloss.
Chegou o último dia do mundo! exclamava Cândido. O marinheiro corre imediatamente para o meio dos destroços, afronta a morte em busca de dinheiro, acha-o, embriaga-se; depois de cozinhar a bebedeira, compra os favores da primeira rapariga de boa vontade que encontra sobre as ruínas das casas e em meio dos mortos e moribundos. Enquanto isto, Pangloss puxava-o pela manga. – Meu amigo – dizia-lhe, – isto não está direito, ofendes a razão universal, empregas muito mal o teu tempo. – Com os diabos! – responde o outro, – sou marinheiro e nasci em Batávia; marchei quatro vezes sobre o crucifixo, em quatro viagens que fiz ao Japão; e ainda me vens com a razão universal!
Alguns estilhaços de pedra haviam ferido Cândido, que se achava estendido no meio da rua e coberto de destroços.
— Ai! – dizia ele a Pangloss, consegue-me um pouco de vinho e de óleo, que estou morrendo.
— Este terremoto não é novidade nenhuma – respondeu Pangloss. – A cidade de Lima experimentou os mesmos tremores de terra no ano passado; iguais causas, iguais efeitos: há com certeza uma corrente subterrânea de enxofre, desde Lima até Lisboa.
— Nada mais provável – respondeu Cândido, – mas, por amor de Deus, arranja-me óleo e vinho.
— Como, provável? – replicou. – Sustento que é a coisa mais demonstrada que existe.
Cândido perdeu os sentidos, e Pangloss trouxe-lhe um pouco de água de uma fonte vizinha.
No dia seguinte, havendo encontrado alguma provisão de boca em meio aos escombros, repararam um pouco as forças. Em seguida puseram-se a trabalhar como os outros para auxiliar os habitantes escapados à morte. Alguns cidadãos por eles socorridos deram-lhes o melhor almoço que poderiam encontrar em tais circunstâncias. Verdade que a refeição era triste; os convivas regavam o pão com lágrimas. Mas Pangloss consolou-os, assegurando-lhes que as coisas não poderiam ser de outra maneira: “Pois tudo isto – dizia ele – é o que há de melhor. Pois, se há um vulcão em Lisboa, não poderia estar noutra parte. Pois é impossível que as coisas não estejam onde estão. Pois tudo está bem”.
Um homenzinho de preto, familiar da Inquisição, que se achava a seu lado, tomou polidamente a palavra e disse:
— Pelo visto, o senhor não crê no pecado original; pois, se tudo está o melhor possível, não houve nem queda, nem castigo.
— Peço humildemente perdão a Vossa Excelência – disse Pangloss ainda mais polidamente, – pois a queda do homem e a maldição entravam necessariamente no melhor dos mundos possíveis.
— O senhor não crê então na liberdade? – perguntou o familiar.
— Vossa Excelência me desculpará – disse Pangloss; – a liberdade pode subsistir com a necessidade absoluta; pois era necessário que fôssemos livres, porque enfim a liberdade determinada...
Pangloss estava no meio da frase, quando o familiar fez um sinal de cabeça para o seu lacaio, que lhe servia vinho do Porto.
As imagens do terremoto e da gigantesca tsunami que devastou uma região do Japão nesta sexta-feira voltam a despertar no homem o sentimento de total impotência ante a força da natureza. "Vivemos no melhor dos mundos possíveis", dizia Pangloss, parodiando Leibniz, no clássico de Voltaire.
Um comentário:
Este assunto Fez-me lembrar que logo que aprendi a ler li na SELETA o acontecimento de Lisboa e que passei muito tempo sem dormir direito,sonhando que fugia das ondas!... L
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