sexta-feira, outubro 05, 2007

Ensaio sobre o poder

Nunca aceitei aquele velho discurso de que o poder corrompe. Prefiro mais a tese de que o poder não corrompe, ele apenas revela. O presidente Lula (o qual, por duas vezes, ajudei a eleger e, em duas outras oportunidades, lamentei a derrota) declarou hoje em Florianópolis que "O Brasil não pode ter medo de arrecadar mais". Essa afirmação, fora de contexto, merece o beneplácito de todo e qualquer cidadão com um mínimo de bom senso. No entanto, a frase foi dita pelo presidente em resposta a perguntas relativas à CPMF. Se ainda se restringisse a CPMF, também seria capaz de dar razão ao presidente. Numa análise isolada, sem dúvida que a "contribuição" (sim, legalmente ainda é uma contribuição, apesar de na prática fazer as vezes de imposto) sai mais cara para quem tem mais dinheiro para movimentar. Ocorre que, como sabemos, todo tributo que onera os mais ricos de forma mais acentuada, acaba sendo repassado, indiretamente, e na mesma proporção, aos que arrecadam menos. Não acredito que o presidente não perceba isso, seria muita idiotia. No entanto, se o presidente não é idiota o suficiente para perceber isso, ao proferir tal frase, só pode ser interpretado como um canalha.

Deixando de lado a dúvida quanto à real personalidade do presidente, cumpre refletir um pouco mais sobre a CPMF. De acordo com a Constituição Federal ( aniversariante do dia), por ser uma contribuição, a CPMF é um tributo de natureza vinculada. Isto é, por ser um tributo de natureza vinculada, a receita através dela obtida tem que ser aplicada numa modalidade de despesa legalmente estabelecida. No caso, seria a saúde. Ocorre que o governo federal, desde que criada a CPMF, desvirtuou o destino dos recursos públicos obtidos através dessa espécie tributária. A arrecadação com a CPMF cresce, mas os gastos com saúde despencam.

Lula esbravejou que "o mal do Brasil é que durante muito tempo ele arrecadou pouco. Então, o Brasil precisa arrecadar o justo para fazer a política social justa". O que seria política social justa para o presidente? Sob o ponto de vista de nossa história econômica, política social é sinônimo de assistencialismo. Política social justa é aquela que o detentor do poder aplica apenas para cooptar o eleitorado. Política social, na história do Brasil, não é justiça social, mas paternalismo demagógico.

A essa altura do campeonato, não consegue perceber o presidente Lula que não é apenas a elite que repudia a excessiva carga tributária? Não percebe o Lula que o povo está farto da tributação escorchante sem retorno em serviços públicos de qualidade? As declarações lulistas nesta tarde de sexta-feira apenas acrescem a lista de declarações estúpidas do presidente ao longo deste vergonhoso segundo mandato.

O poder não corrompe, ele revela. Dói ter ajudado a eleger o Lula...o peso na consciência só não é maior pelo fato de que não havia melhores alternativas.

Um comentário:

Anônimo disse...

O poder não corrompe, talvez escancare o que não pudesse ter sido mostrado até então. O poder compra defensores, a base que permite ser o que se é, mas isso parece conversa própria para devaneios etílicos ou, um bom chimarrão...amargo...