terça-feira, agosto 28, 2007

On the road

Conheci Kerouack e os beats através da música de Dylan e Morrison. Foi na adolescência, época em que doses de porra-louquice se fazem necessárias para evitar uma velhice rabugenta e recalcada. Embora incapaz de ler diretamente no original, em inglês, nunca engoli muito o título aportuguesado de "Pé na Estrada" - mais tarde soube, através do Peninha, que a edição purtuguesa é "Na boleia".

Ler os beats é um exercício de transcendência espiritual comparável a poucas outras, as quais prefiro deixar na penumbra da imaginação do leitor. Li On the Road ao som de muito Dylan, Doors, Velvet Underground e Neil Young. Ainda não conhecia o jazz. Por sinal, se através do rock cheguei aos beats, dos beats nasceu o meu pendor pelo sax de Coltrane e o trompete de Miles Davis...Parker, Gordon, Colemann só entraram na minha discoteca muito tempo depois.

Li On the Road deitado em minha cama, em poucos dias, há vários verões atrás. Viajei naquele texto anti-convencional com voracidade narcótica...lamentei minha falta de ousadia, minha inata incapacidade de assumir o aventureiro enrustido, preguiçoso. Naquela época me entediavam as obras jurídicas, às quais me rendi em função da maturidade e necessidade de aderir ao sistema. Quando velho tenho certeza que lamentarei a preguiça, o comodismo que me impediu de on the road...talvez até não me arrependa completamente, pois ao contrário de Dean Moriarty, a minha última página ainda não chegou.

O anti-convencionalismo de On the Road é a narrativa sem propósito, quase que sem enredo. On the road está fazendo cinqüenta anos. Quando foi escrito, a juventude necessitava daquele espírito de subversão, de burlar as regras hipócritas de uma sociedade que pregava o falso moralismo, que fazia e acontecia sob um manto pesado de aparência sã. on the road prega a loucura, a falta de propósito, o viver a vida intensamente, sem medir as conseqüências e sem sujeitar os demais aos delírios necessários à auto-realização espiritual.

Os beats foram os precursores do hippies. Assim como estes, buscavam derrubar o dogma do "faça, mas não deixe que lhe vejam". Pregavam uma vida plenamente livre. A irresponsabilidade inerente à conduta que pregavam impede um elogio irrestrito ao modo de vida que mantinham. Mas a liberdade que carregavam nas entranhas, assim como se fez necessária, em doses cavalares, na adolescência, ainda se apresenta como salutar para evitar o enlouquecimento inevitável do viver apenas segundo os outros.

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