segunda-feira, abril 03, 2006

Animals Farm



“Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do que os outros.”
George Orwell, A Revolução dos Bichos

Se O Príncipe, de Maquiavel, é a bíblia do homem que pretende vir a ser político, e do político que pretende conservar tal status, A Revolução dos Bichos, de George Orwell, é a bíblia do homem que pretende entender melhor como a política vem sendo exercida pelos políticos profissionais. Aclamada como libelo contra os totalitarismos, a obra de Orwell deve ser reinterpretada em tempos de democracias formais.

Se os tempos em que grupos assumiam o poder político por intermédio de movimentos revolucionários parecem distantes, fruto do common sense em torno dos preceitos democrático-constitucionalistas de alternância de poder, nem por isso a fábula orwelliana há de ser relegada à segundo plano.

Não pretendo aqui discorrer acerca do que é política, nem dos meios e dos fins da política formal (Existe este termo?). Quero apenas trazer à tona passagens bastante oportunas da obra de George Orwell.

Já li e ouvi que a fábula tem como pano de fundo a revolução russa, o que parece evidente, se contrastada com algumas características e conseqüências da revolução bolchevique e do governo de Stálin. Mas a temática do livro, embora se encaixe perfeitamente na história da União Soviética, vai mais além deste pano de fundo. O livro é sobre a história política da humanidade, e sobre a alternância de poder que vem se verificando e parece que ainda se verificará durante um bom período em certo país tropical.

Escrevo partindo do pressuposto de que você ainda não tenha lido o livro do George Orwell, e espero não levá-lo a abandonar a idéia de lê-lo acreditando ser este texto um resumo do livro. Para começo de conversa, quero deixar claro que este texto é uma interpretação do livro. Interpretação esta que, não posso negar, espero que seja compartilhada por você após concluir a leitura.

A história se passa em uma granja, A Granja do Solar, situada no interior da Inglaterra e administrada pelo Sr. Jones. Um certo dia os animais da granja fazem eclodir um movimento revolucionário, liderado pelos porcos, após a leitura de um manifesto de cunho messiânico, na calada da noite, em assembléia secreta. O substrato ideológico do movimento, como fica evidente, é o socialismo: os animais, inconformados com a exploração perpetrada até então pelo latifundiário, deliberam no sentido de tomar a granja, expulsar o proprietário-explorador e assumir a administração da mesma em prol do bem comum, administração esta que seria embasada na igualdade de todos e na cooperação do trabalho de todos. O trabalho árduo propiciando uma produção suficiente para a subsistência do grupo. Não haveria mais exploração humana sobre os animais. Hão de ser execrados os seres que andam em duas patas e não possuam penas. Não haveriam mais privilegiados e desvalidos: “Todos os animais são iguais.....”.

Exploração, desespero, esperança, oportunidade – dessa combinação eclode a revolução, e da revolução vitoriosa a confiança dos demais em seus líderes.

O movimento vitorioso resulta na expulsão de Mr. Jones. Mas como todo movimento tem um líder, ou alguns líderes, são a estes, e não a si próprios, que os membros da revolução acabam reverenciando. Na fábula, são os porcos os líderes da revolução. Mais espertos, mais esclarecidos, incumbem-se da tarefa de administrar a granja, procurando, e conseguindo, através da publicidade ( O termo está mais na moda do que propaganda. Embora reconheça que tenham significados diferentes, tomo a liberdade, como “licença poética”, de utilizá-los como sinônimos), convencer as massas da sua capacidade de governar.

Os porcos-líderes gerenciam a granja e não demora para que percebamos que a igualdade prolatada só servia como marketing político. Primeiro trocam o nome da granja para Granja dos Bichos. Compõem o hino da revolução. Estimulam a alfabetização de todos, mas nem todos aprendem a ler. Enunciam uma série de mandamentos a ser por todos cumpridos no intuito de ser mantida a ordem. Transformam o trabalho e a cooperação como valores máximos da comunidade.

Com o passar do tempo, os líderes percebem que a auto-suficiência é impossível. Em razão disso, se antes os humanos deveriam ser execrados, passa a ser visto como necessário estabelecer alianças comerciais com eles. Eclodem batalhas com os humanos. Mr. Jones tenta retomar o poder da granja. É rechaçado pela turba de animais. Surgem novos heróis: de preferência, da classe dos líderes. Lá pelas tantas há uma crise de interesses dentro do partido, ou melhor, entre os porcos-líderes. Desta divergência, o derrotado é expulso, através de ardis pouco estranhos para quem acompanha o desenrolar da política brasileira.

Acabada a divergência intrapartidária, o líder vitorioso trata de restabelecer a confiança na sua liderança. Não é necessária nenhuma campanha publicitária mais vultosa para convencer o povo, digo, os animais inferiores de que ele era e continua sendo O escolhido, O mais capaz, O mais ético para administrar. Absortos nos louvores proclamados, todos se recolhem ao êxtase da adoração.

Trabalho, trabalho árduo, é necessário trabalhar para aumentar a produção. Só que os mandamentos vão sendo circunstancialmente alterados, de forma sorrateira, sem alarde, com o firme propósito de manter os animais convencidos de que sua única missão é trabalhar.......trabalhar cada vez mais, pois chega um dia em que é anunciada a necessidade de passar-se a fazer transações com os humanos, o isolacionismo é percebido como mortal e o estabelecimento de um sistema de trocas com os humanos passa a ser imprescindível para a conquista da felicidade de todos. Só que nem todos os humanos são confiáveis: dadas as circunstâncias, um é confiável. Modificadas as circunstâncias, o outro.

Alguns chegam a demonstrar uma certa incerteza, chegando a questionar o novo status quo. Mas se todos são iguais, se a exploração do animal pelo homem foi banida, questionar o sistema passa a ser interpretado como conluio com os exploradores. É preciso confiar no líder e seguir trabalhando para o bem de todos. O líder é que sabe: se o líder diz, está dito. Se o líder diz e as estatísticas confirmam, não há motivos para questionamento: não devemos questionar.

No ápice da estória, os porcos começam a descobrir os prazeres de alguns hábitos dos homens, passando a usufrui-los, às escondidas. Quanto mais neles se esbaldam, mais vêm o quão pernicioso pode ser, para eles, que os demais animais passem a usufruí-los. Aos outros animais, o único prazer necessário é o da comida e o do trabalho árduo. Eles, como líderes, têm o direito de usufruir desses prazeres, pois são necessários para a realização da espécie de trabalho a eles reservada: “arquivos, livros, pesquisas”.

“Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do que os outros”.

No fim, os porcos, repentinamente, começam a andar em duas patas. Os homens já não são tão mais execráveis, podem até ser amigos. Aos outros animais, menos iguais, resta o trabalho, a manutenção da esperança e a certeza de que Mr. Jones já não está no poder, e que os poderosos de agora são os salvadores do amanhã.

Os porcos são melhores que Mr. Jones, ainda que tenham começado a andar em duas patas e que a granja volte a se chamar Granja do Solar. É o que lhes dizem para acreditar. É o que lhes dizem e eles devem acreditar.

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