sexta-feira, abril 14, 2006

O Flautista nos Portões do Amanhecer

As portas se abrem na imensa casa cinzenta.
No hall, uma senhora obesa recepciona os convidados,
Nos dedos ostenta enormes anéis dourados, nos pulsos grossas pulseiras de prata.
Um longo tapete estende-se até uma enorme porta de mármore.
Nas paredes, quadros estranhos, todos iguais, paisagens lúgubres de montanhas bretãs.
Belos candelabros de ouro sobre as mesas,
Sons de violino pelas frestas da porta.......soa um gongo;
A porta se abre, uma pequena mulher asiática estende a mão,
Delicada e gelada mão com dedos finos e unhas compridas.
Outro tapete vermelho, um pequeno altar com violetas azuis, um crucifixo, velas acesas
Cheiro de incenso, um velho negro tocando músicas tristes ao violino.
Uma paisagem litorânea pintada na parede..........corredor sem fim
Uma estreita porta.......um homem discursando com voz grave
Dois passos........olhares.........silêncio constrangedor...
- Por aqui senhor.........a jornada continua........irritação
Sala estranha, pessoas estranhas, mente confusa......
Bela e imensa sala ornamentada com retratos de pessoas ilustres nas paredes;
Nietzsche, Baudelaire, Blake, Cervantes, Dali, Machado , Sagan e Borges.
Desconforto, sensação estranha; uma soturna ubiqüidade indecifrável.
Razão e religião, sensibilidade e desespero, razão e fé.......a priori axiomas ridículos,
Palavras ao vento: “ Bem aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores”....o imenso tapete vermelho sobre pés afoitos.
Silêncio..........incerteza........quão bela imagem diante de olhos afoitos e irritadiços
A pequena mulher incansável.......condução irrefreável......sem dar lugar a sensatez
Como você é linda minha querida.......minha querida?........estética?....sinceridade?....comodismo?.......era um rapaz inseguro e ludibriado....sendo guiado por ideais frágeis......vomitando pensamentos um tanto incólumes.........mas o mundo pedia incongruência......então a bela mulher continuava o seu trabalho monótono:
“Eis o mundo meu filho.......esteja livre....abrace as oportunidades.....aprenda com os erros...aprenda.....apenas não se submeta às suas fraquezas.......deixo-te agora......sejas forte, se fores fraco, descobrirás teu destino........apenas não o alimente, pois se o alimentares serás indigno de toda essa bela obra.......serás uma gota em meio ao oceano dos que não À merecem......”
“Estou num manicômio!”......exclamava o convidado......em que lugar me meti.....queria apenas um telefone....um contato com o mundo nesta terra estranha.......como pude!!!!!!!!”


Mas a esperança não se extingue na alma dos que regozijam com a felicidade...........
Mais uma porta, a terceira........e o tapete...Ah, o tapete!!!!!!.......soa uma campainha........
Uma bela criança de sorriso entorpecente no rosto...........venha moço!
Aquela presença.........todos os tormentos...todas a as incertezas.......subjuga os percalços desta lunática epopéia......para onde isto me encaminha?
(Imagino que estejas sentindo uma certa irritação, talvez um certo escárnio por estas palavras aparentemente ilógicas, mas somente as expus por acreditar na sua suficiente
inteligência. Ora, não me decepciones.. Está certo, talvez esteja abusando um pouco de tua paciência. Talvez esteja maltratando um pouco a tua mente, mas convenhamos, não me decepciones! Escrevi para ti, para um seleto grupo que acredito, ao seu jeito, estar com a percepção suficientemente aberta. Se minha crença em vocês não surtir efeito não sei mais no que acreditar. Se vocês não conseguirem interpretar este relato, não me restará mais nada a não ser o descrédito absoluto. Então, se tal ocorrer, aceitarei todos os comentários precipitados. Sou tudo, menos covarde e insensível......)....”mudaram as estações”.
Devo continuar?......pergunta-se o confuso andarilho.....deve....sussurra a consciência.....
E se Freud aparecer?.....pergunta a doce criança..........deverás te curvar como a um Deus......exclama a consciência........risos ecoam no interminável corredor..................
Mas o certo é que, embora a realidade queira fugir em meio a este ambiente surreal, meu cérebro ainda consegue se manter intacto...continuo apenas confiando na minha sorte......
A porta.......a quarta porta.......quem estará por detrás dela?......quem me esperará?....uma velha obesa, uma asiática anoréxica, uma criança angelical......e agora?...........................
Você!!!!???????...........Mas?????????........não pode ser..........belisco minha pele suada até quase arrancar pedaço........por quê?........
O que fazer?...........naquela fria manhã tudo ficou sem sentido........e agora tudo ressurge como o canto de uma freira num convento sinistro........devo aceitar?......devo esquecer todos os esforços?.......devo????........o que fazer?.....que outra saída?....só tenho essa.....por mais absurda que pareça, é a única que me resta....então, então, a consciência me obriga........após todos os esforços......todas as rejeições forçadas........só me resta sentir tua pele.......tua voz que tanto me esforcei para repudiar....mesmo após ter repudiado tantos clamores........mesmo após ter machucado tantas almas........tua maldosa voz seduziu-me quanto nunca antes........maldosa???????..........como posso julgar-te depois do que fiz por pura covardia?.........por puro comodismo.....por puro medo...........mesmo depois de levar todos a julgar-me um coitado e você um demônio........te prometi.......isso eu mantive....pela única vez na vida mantive-me calado............eis a síntese de minha virtude........esta promessa....esta promessa que teima em quebrar-se sobre o efeito de drogas atrozes.......mas minha consciência resiste.......minha querida..........ela mantém-se um pouco forte.......e resiste a tudo......mesmo que os moinhos venham a transformar-se em gigantes....meu Sancho Panza permanecerá fiel como nunca......e o tapete continuará levando-me à próxima porta.......e continuarei respeitando DEUS, a única certeza que tenho, como não crer em algo que me perdoa após tanto escárnio que produzi contra A sua existência?...................
A porta me abriste......e cabe a mim adentrá-la........cabe apenas a mim....peço-te forças........mesmo sabendo que cabe apenas a mim ........a mim!!!!!!!!!..........idiota.......E a


voz que sussurra por entre as frestas da porta : “ Você.........você que aí está deixando-se conduzir por pensamentos forçados....por pensamentos forçados por momentos insignificantes......vai se deixar seduzir por elucubrações precipitadas?.......vai se deixar conduzir por imagens arquitetadas em meio à dor de erros premeditados?.......vai seguir destruindo sentimentos sinceros, apenas por que não surgiram em meio à falhas propositais?........a porta então se abre.........o que esperar?....junta-te a mim...como os hebreus rumando pelo desconhecido ............................................................................
Neste instante, um momentâneo lapso de razão.........o convidado sente a mente trabalhar em direção ao passado...lembra-se de suas insensatas artimanhas....lembra-se de inventar a
mentira......de quanto riu ao perceber a sua eficácia hipócrita.........mas então surge um pássaro negro, de cujo bico pende uma pequena folha de papel............”acredita-se, idiota”.....e um flashback destoa em sua mente......em sua alma.........e enormes flâmulas fosforescentes tremulam das paredes imaculadamente brancas........”Cobriu-se o sol de negro véu. Como ele, ó lua, veste o luto de minha agonia”...........lembra-se o já cansado convidado........uma flauta doce sopra do infinito........ares de mediocridade.......................

......................”Ó tortura cruel que teima em arrebatar-me o espírito enquanto belas andorinhas fazem acrobacias divinas em frente à janela de minha jaula fétida”......todos nós precisamos de crenças, meu senhor......não insista em rejeitá-las.........minha cara, somente busco uma janela para contemplar o azul do céu novamente......e você teima em renegar o meu singelo desejo......renega-te você mesmo, meu senhor........mas como pode?....você...logo você, que tantas vezes sucumbiu aos meus encantos, que tanto alimentou meu espírito, de maneira até desumana certas vezes, insistir em tornar-me um lunático?.........você mesmo condenou-se a tal flagelo, caro visitante.....não concebo tal monstruosidade, vindo logo de ti, ó insensível!......esqueceis, caro senhor, que nos momentos em que me convertias à um mero banquete enfastioso jamais passou-se sobre tua mente tais questionamentos?........mas como poderia, se parecias tão feliz diante de minhas interpretações?....esqueceis que talvez eu é que estivesse interpretando?.......uma brisa gelada alastra-se pelo enorme corredor sem fim.........mas o que é isto?.......acorda homem!.....o que seriam estas alucinações?........não te entorpecesse com nada, saísse do escritório diretamente para a estrada....e aquele maldito carro!!!!.....comprei na semana passada.....minha primeira aquisição depois de longos meses de trabalho.....mas o que é isso?......estás parecendo um personagem de poema oitocentista......acorda desgraçado!!!
Por que continuo a caminhar?...porque não dou meia volta e sigo correndo para a porta desta casa sinistra?......nem na juventude tive tantas alucinações.........nem naquelas noites tristes no pequeno apartamento de estudante.........já sou um profissional......um homem maduro...... e logo agora, depois de tantas conquistas, me vejo diante de uma situação insana como esta?......como pode?.....terei enlouquecido?......terei sucumbido à estafa do trabalho?...não, isso não.......e aquela vadia?.....já estou atrasado, o que estará ela pensando?........não posso perder tempo.....preciso encontrar logo o telefone......preciso..........onde se viu uma casa deste tamanho, perdida em meio à esta planície sem fim, não possuir nenhum aparelho.......


uma mansão sem telefone.......estou sentindo falta daquela ardência no nariz, onde fui me meter?.............e esta.......não pode ser ela.........aquela que me ensinou as regras da vida, aquela que me abriu as portas do mundo real, agora me induzindo a esta viagem sem fim?............devo estar dormindo....................devo estar devaneando...........................
“Tocando uma flauta no vale selvagem.......tocando canções doces e alegres.....vi uma criança surgir nas nuvens, e ela me disse a sorrir, toque aquela do cordeiro, então toquei com alegria”..................Não estou suportando isto, minhas pernas estão cansadas, meu corpo pede descanso.......espere, me deixe descansar um pouco..........”deite-se aqui meu querido............”
Sonhos, o que são os sonhos senão meros desejos não saciados ou pequenas mentiras magistralmente escondidas sobre os escombros de nosso subconsciente?..........O convidado desperta como se dormisse por várias horas.......Ainda estou aqui, não pode ser........não pode ser real.........deitara-se sobre um confortável divã .

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