segunda-feira, abril 03, 2006

Do Exército e suas manifestações


A nota divulgada pelo Exército em seu site na internet ( Ordem do Dia – 31 de março - www.exercito.gov.br), na qual é enaltecido o que eles gostam de considerar como “Revolução de Março de 1964” causa profundo desconforto naqueles que conhecem as conseqüências do golpe e o tipo de governo exercido pelos militares até a auto-extinção do regime ditatorial.

Os mais paranóicos e aqueles que desfrutaram da intimidade dos porões da ditadura talvez tenham sentido algo bem mais forte do que um mero desconforto ao ler a referida nota. Da minha parte, senti um forte embrulho no estômago e uma certa perplexidade ao ler o seguinte trecho:

"Esse Exército – o seu Exército – é conciliador sem perder a altivez, generoso com os vencidos, nobre nas atitudes, respeitador da lei, avesso aos ressentimentos – herdeiro legítimo que é do Duque de Caxias, nosso Patrono maior, o Pacificador.
Nesse contexto, o 31 de Março insere-se, pois, na História pátria e é sob o prisma dos valores imutáveis de nossa Força e da dinâmica conjuntural que o entendemos. É memória, dignificado à época pelo incontestável apoio popular, e une-se, vigorosamente, aos demais acontecimentos vividos, para alicerçar, em cada brasileiro, a convicção perene de que preservar a democracia é dever nacional
".

Agradecendo a Deus pelo privilégio de viver em uma época em que a liberdade de manifestação do pensamento é um dos valores supremos de nossa ordem constitucional, não posso deixar de traçar alguns comentários acerca desse trecho do manifesto.

Dentro do contexto histórico a que faz referência, creio que ao aludir a “Exército ....respeitador da lei “, o autor do escrito não fazia referência àquele famoso 31 de março ou, se fazia, devia referir-se tão-somente ao respeito aos Atos Institucionais que se proliferaram durante o brutal e atrapalhado governo militar.

Quanto ao 31 de Março inserir-se “na História pátria e é sob o prisma dos valores imutáveis de nossa Força e dinâmica conjuntural que o entendemos”, não quero acreditar que o autor da nota estivesse fazendo apologia à Força que milhares de brasileiros sentiu na carne ferida, nas entranhas perfuradas, nos nervos destruídos, na alma dilacerada, na honra vilipendiada e na boca amordaçada.

Em outro trecho, creio que o autor confundiu “apoio popular” com apoio da elites.

Já com relação a “convicção perene de que preservar a democracia é dever nacional”, prefiro crer que o conceito de democracia conservado pela instituição nos dias de hoje não seja o mesmo que manifestava nos anos de chumbo. Espero que nesse trecho o autor do escrito tenha sido sincero.

Prefiro dormir esta noite com a certeza de que os tigres não mais sairão das jaulas, e que o Exército tem consciência de que para a História, o 31 de março representa o alvorecer de um período de trevas que se abateu sobre a nação brasileira durante mais de 20 anos. Prefiro dormir esta noite com a certeza de que o Exército, no seu íntimo, tem consciência de que o regime militar foi uma vergonha para o Brasil e, sobretudo, uma vergonha para a própria instituição
.

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