sábado, abril 08, 2006

Lord of War


Na quarta-feira assisti ao filme Lord of War , lançado no mercado nacional com o título de Senhor das Armas. O filme é genial, conforme percebemos logo na cena inicial, em que acompanhamos a trajetória de uma bala desde o seu nascimento em uma fábrica até o seu destino final: a testa de uma criança em alguma guerrilha africana. O filme narra a história de um ucraniano cuja família emigrou da Ucrânia para Nova Iorque logo no alvorecer da Guerra Fria. Cansado da pobreza em que vivia no Brooklyn (ou seria no Bronx?), o personagem vivido por Nicolas Cage resolve abandonar o emprego em um restaurante e ingressar num dos mercados mais lucrativos da economia mundial: o tráfico de armas. O filme é um libelo pacifista, tendo como clímax a cena em que o anti-herói da história, ao ser interrogado pelo agente da Interpol que o havia prendido, friamente expõe a este que a sua prisão era uma medida inócua, uma vez que o maior traficante de armas do planeta é o presidente dos Estados Unidos. Imperdível.


Herdeiros do milagre econômico


Quem lê A ditadura envergonhada, A ditadura escancarada, A ditadura derrotada e A ditadura encurralada,do jornalista Elio Gaspari, percebe facilmente que não passa de sofisma a tentativa de legitimar o regime militar em função do chamado Milagre Econômico . Em época de vacas magras como a nossa, em que, apesar do festejado superávit da balança comercial, nossa economia não consegue sequer fazer cócegas na taxa de crescimento médio da economia mundial, fica difícil não admirar-se com os índices de crescimento da economia brasileira nos anos de chumbo: 9,8 % do PIB em 1968 (expansão de 15% na indústria), 9,5% em 1969 , 10,4% em 1970, 11,3% em 1971, 11,9% em 1972 (com aumento de 50% na renda per capita dos brasileiros, as exportações de produtos industrializados ultrapassando 1 bilhão de dólares pela primeira vez na história, um regime de pleno emprego, “em razão do qual um metalúrgico ganhava o bastante para comprar um fusca novo” e “os executivos brasileiros ganhavam mais do que os similares americanos e os europeus”), 14% em 1973.
Como relata Elio Gaspari no seu A Ditadura Derrotada , “o Milagre Brasileiro chamara-se Delfim Netto”. O Gordo, como era chamado, por sua vez, atribuía a Otávio de Gouvêa Bulhões e Roberto Campos a façanha de terem-lhe preparado o terreno ao receberem o Tesouro com 300 milhões de dólares de contas atrasadas e entregarem-no com 400 milhões de dólares de reservas cambiais, por terem baixado a inflação de 90% para 25% ao ano, reduzirem o déficit federal de 4,2% do PIB para 1,1%, além de fazerem com que o conjunto da economia, que em 1963 crescera apenas 1,6% do PIB, expandira-se 5,1% em 1966. Delfim assumira a pasta da Fazenda em março de 1967. Em 1974, Delfim resolve se lançar como candidato ao governo de São Paulo, mas tem suas ambições aniquiladas pelos donos do Planalto. Na página 274 de sua obra, Gaspari menciona que no desmanche de Delfim, o professor Eugênio Gudin “dizia a Golbery (chefe do Gabinete Civil) que o ministro manipulava os preços das cestas de alimentos para o cálculo do custo de vida. Quem fazia as contas era a Fundação Getúlio Vargas, e quem tinha assento no seu Conselho era Gudin, não Delfim”. Posteriormente, a própria FGV reconheceu que o índice utilizado para refletir o aumento real do custo da cesta básica havia sido manipulado em 1973.
O setor mais beneficiado com o boom econômico do período era o ocupado pelos próprios militares: “O Milagre triplicara as despesas militares do governo, levando-as para 1,66 bilhões de dólares em 1973. Entre 1968 e 1971 as despesas com pessoal militar aumentaram 63,7%, enquanto que o pessoal civil sofrera uma contração de 13% (pg. 281)”. Mario Henrique Simonsen substituiu Delfim na pasta da Fazenda, e dentre suas propostas para engordar os cofres do governo destaca-se a de jogar no mercado financeiro uma parte dos recursos do PIS, que fora criado em 1970 com o objetivo de assegurar um pecúlio para os trabalhadores. Simonsen pôs em prática a filosofia de que o Estado não pode deixar banco privado quebrar.
Em 1973, já era possível perceber a que custo o regime militar conseguira produzir o Milagre. Entre 1969 e 1973, a dívida externa brasileira cresceu 286%, indo para 12,6 bilhões de dólares; em 1974, fechou o ano em 17,2 bilhões.
Mas é em A Ditadura Encurralada que nos deparamos com uma das maiores trapalhadas que o regime militar conseguiu produzir em nome do almejado desenvolvimento nacional. Influenciado por iniciativas perpetradas por outros países, o Brasil resolveu implementar a sua política nuclear. Em 1972, Médici comprou junto à Westinghouse um reator nuclear capaz de gerar 627 megawatts. Era “uma caixa-preta tecnológica, alimentada por urânio enriquecido do governo americano. Foi contratada por 102 milhões de dólares...deveria ser inaugurada em 1977”. Os americanos voltaram atrás e romperam um contrato com o governo brasileiro para o fornecimento de urânio para as futuras usinas que os militares pretendiam construir, devolvendo os 800 mil dólares que o Brasil havia adiantado. O Brasil virou às costas para os Estados Unidos e passou a negociar com a Alemanha. Em 1975 o governo firmou um acordo com a Alemanha, pelo qual esta se comprometia a fornecer tecnologia para enriquecer urânio . Ocorre que “o processo alemão estava tecnicamente comprovado, mas ainda não demonstrara sua viabilidade comercial. Parecia ser verdadeira a piada: firmara-se um acordo em que a Alemanha oferecera uma tecnologia que não tinha, para enriquecer um urânio que o Brasil não achara (...) Esse acordo viria a ser o maior e mais custoso erro do governo Geisel. Nascera de duas estimativas erradas. A Eletrobrás derrubara o potencial hidrelétrico nacional, calculando-o abaixo de 120 mil megawatts, quando era folgadamente superior a 200 mil. Exageraram-se as projeções de consumo, imaginando-se uma demanda de 175 mil megawatts para o ano 2000, quando bastariam 100 mil. As usinas eram desnecessárias. No dia da sua assinatura, calculara-se o custo do pacote em 10 bilhões de dólares. Em 1979 foi a 15 bilhões e, em 82, a 18. O custo do quilowatt de seu primeiro reator, estimado em quatrocentos dólares em 1975, passou a 1500 em 78 e, em 90, estava em 4353 dólares. Durante o governo de Geisel e na década seguinte, nenhuma usina foi terminada. Só em 1986 é que se acendeu a primeira lâmpada alimentada com energia de Angra 2, única central produzida pelo Acordo Nuclear (pg. 136)”.
O Milagre Econômico existiu, inegavelmente. Ocorre que foi um fenômeno efêmero, cuja herança nos foi imposta sem que nos fosse possível renunciá-la.

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